70% das mulheres nunca tiveram um orgasmo em uma relação. A Lilit quer resolver isso com um vibrador do tamanho de um batom

De acordo com o folclore hebreu medieval, Lilith foi a primeira mulher criada por Deus. Ela, no entanto, decidiu abandonar o Jardim do Éden por discordar do posicionamento machista de Adão.

Segundo a narrativa, ele queria sua companheira submissa, impedindo inclusive que durante o sexo ela ficasse por cima. Depois que ela fugiu, Deus criou Eva a partir da costela de Adão (mas isso já é outra história…).

A simbologia da liberdade em relação à intimidade trazida pelo mito de Lilith serviu de inspiração para Marilia Ponte, 26, criar a Lilit, uma sextech (sim, startup do sexo) lançada em agosto com apenas um produto no catálogo: um mini vibrador de clitóris, desenvolvido por um time de mulheres a partir de estudos práticos.

A marca quer colocar o prazer feminino em pauta para que o tema deixe, de uma vez por todas, de ser associado à culpa, vergonha e desconforto. E, para isso, aposta em muita pesquisa e conteúdo.

TRABALHAR NA ENDEAVOR DESPERTOU O INTERESSE PELO EMPREENDEDORISMO

Formada em Publicidade e com pós-graduação em Administração, Marilia conta que sempre acreditou que seu destino seria trabalhar em grandes empresas.

Ela passou pela Editora Abril, como estagiária, e na sequência foi contratada pela Endeavor, onde teve a oportunidade de desbravar o universo empreendedor e despertar para a vontade de ter seu próprio negócio.

Depois de quatro anos na Endeavor, Marilia começou a questionar seus propósitos e percebeu que era hora de buscar um novo caminho. “Me vi num momento em que não me identificava mais com quem eu era, com o que eu tinha tesão em fazer”, diz. A psicanálise a ajudou a descobrir que direção seguir.

“Passei por um processo muito íntimo e potente ao entrar na psicanálise e que tem tudo a ver com essa virada de chave para empreender. Fui desvendando meus desejos e nesse caminho me apaixonei por esse mercado das sextechs”

Enquanto dedicava as manhãs e tardes à Endeavor, Marilia varava as noites e madrugadas estudando sobre esse mercado e os meandros do prazer feminino para entender como criar um negócio com esse foco.

ELA ERA VISTA COMO “BEM RESOLVIDA”. MAS DESCOBRIU QUE NÃO ERA BEM ASSIM

Ao longo desses estudos e do trabalho de psicanálise, Marilia foi rememorando como a sexualidade já havia despertado sua curiosidade ao longo da vida.

“Lembro de muito novinha, com uns 7 anos, pegar um dicionário do meu material escolar e circular todas as palavras relacionadas à sexualidade, como pênis, vagina e vulva, e depois fazer uma legenda [explicativa]”, conta. “Um dos presentes que ganhei por essa curiosidade foi minha mãe me levar a uma Bienal do Livro e me dar uma publicação de educação sexual para crianças.”

Já na adolescência e na fase adulta, ela diz que era vista como “bem resolvida”.

“Minhas amigas achavam que a sexualidade era algo tranquilo para mim porque eu falava de masturbação e brincava com o assunto. Mas fui percebendo que eu não sabia nada sobre meu próprio prazer… E quando fui atrás de consumir produtos de sex shops, me senti desconfortável”

Marilia acreditava que toda essa experiência com a intimidade poderia ser melhor — para ela e para as mulheres em geral. Com essa ideia em mente, pediu demissão na Endeavor, juntou suas economias e empréstimos familiares (totalizando 200 mil reais) e começou, no início de 2019, a construir a Lilit.

EMPREENDER EXIGIU UMA IMERSÃO EM PESQUISAS SOBRE O PRAZER FEMININO

Antes de desenvolver um produto, a empreendedora quis validar se aquela experiência negativa com os sex shops e as questões relacionadas ao prazer eram apenas um incômodo seu e de “sua bolha” — ou se, ao contrário, também inquietavam outras mulheres.

Para isso, Marilia lançou primeiro uma pesquisa online sobre prazer e masturbação. Quase 4 mil mulheres responderam ao questionário.

“Nesse estudo, foi possível validar que no Brasil também existe um abismo do orgasmo (pleasure gap). Os números daqui são muito parecidos com os estudos  gringos e mostram que só três a cada dez mulheres atingem o orgasmo na relação sexual. Enquanto entre homens, essa taxa é de 90%”

Dessas pesquisas quantitativas, Marilia começou a organizar reuniões tríades. Uma mulher era convidada a trazer duas amigas para uma roda de conversa sobre prazer em que cada uma levava seu próprio vibrador e tinha a oportunidade, no encontro, de conhecer outros modelos.

DA TEORIA À PRÁTICA: COMO DESENVOLVER O “VIBRADOR PERFEITO”

A partir desses relatos e observações, a empreendedora esboçava o projeto do “vibrador perfeito”, com material de qualidade e diferentes motores a partir de impressão 3D.

Um dos receios era se as mulheres topariam fazer test-drives com o dispositivo. “O vibrador é um produto geralmente desenvolvido sem pesquisa prática, porque é algo muito íntimo”, conta.

Em outra fase do desenvolvimento, dez mulheres toparam participar de uma aula individual sobre auto estimulação com Deva Kiran, terapeuta corporal especialista em terapia orgástica e idealizadora do projeto Prazer Mulher Preta.

“Nessa experiência, elas aprenderam sobre o modelo anatômico da vulva e a anatomia do prazer feminino. Depois, puderam testar em uma sala privada modelos de vibradores, sendo que um deles era o nosso protótipo”

Para sua surpresa, diz Marilia, das dez mulheres, nove pediram para continuar na sala compartilhando suas sensações — e como o protótipo da Lilit poderia ser aprimorado.

ALGUMAS MAL CONHECIAM O CLITÓRIS; OUTRAS TRANCAVAM O VIBRADOR NO COFRE

A principal conclusão extraída dessa experiência foi que a questão não era exatamente sobre construir o vibrador perfeito.

Segundo Marilia, muitas mulheres faziam uso de vibradores de menor qualidade, quase descartáveis. O ponto principal, porém, é que na prática muitas mal sabiam onde ficava o clitóris.

Outras precisavam lidar com a vergonha: tinham relacionamentos estáveis e usavam o vibrador escondido; algumas chegavam a trancar o aparelho em um cofre, com medo de serem descobertas.

“Esses insights me fizeram entender que não era preciso criar um produto que fosse um ‘avião’, super inovador, mas sim focar em ajudar essas mulheres a se relacionar de forma diferente com o prazer”

Marilia decidiu começar da forma mais simples, com apenas um produto. Assim, em agosto foi lançado o Bullet Lilit, um mini vibrador (do tamanho de um batom, aproximadamente) recarregável, à prova d’água e com cinco opções de vibração — três constantes e duas ritmadas.

Disponível apenas na cor bordô, o produto é vendido online diretamente para a consumidora final, a 289 reais.

Marilia é a única pessoa dedicada em tempo integral ao negócio. Para chegar ao produto, porém, ela engajou (e ainda engaja) freelancers em várias frentes, do design ao desenvolvimento industrial, do e-commerce às redes sociais. “A ideia sempre foi ser uma sextech feita por mulheres para mulheres.”

NÃO É SÓ UM BRINQUEDO: A “COMUNICAÇÃO AFETIVA” FAZ PARTE DA ENTREGA

A proposta de valor da startup não se resume ao vibrador. Segundo a empreendedora:

“Sempre fiz uma provocação muito grande de como gostaria de ter começado a usar um vibrador, desde a experiência de compra à embalagem, do discurso da marca aos conteúdo educacional envolvidos. A ideia é acompanhar essa jornada das consumidoras”

Pensando na mensagem da marca e em como ela pode ajudar a destravar barreiras quando o assunto é sexo, a empreendedora idealizou um site super clean, com fotos embalagens discretas e muito conteúdo sobre prazer e educação sexual.

O blog da Lilit reúne posts sobre temas como sagrado feminino, dicas para atingir o orgasmo após anos de tentativas frustradas e os benefícios psicológicos do uso do vibrador.

LANÇAR UMA EMPRESA EM PLENA PANDEMIA JOGOU MARILIA NUM DILEMA MORAL

Desenvolvidos no Brasil, os vibradores da Lilit são fabricados na China. A Covid-19 acabou atrasando a produção, nos primeiros meses da pandemia. A escalada do dólar também complicou a vida da empreendedora.

Porém, ao lançar sua empresa no meio de uma crise sanitária mundial, mais do que os desafios de negócio, Marilia diz ter enfrentado um dilema moral:

“Eu estava com a sensação de que não dava para falar de prazer nesse momento tão difícil. Como lançar uma marca para vender vibradores nesse contexto de pandemia? Será que fazia sentido?”

Aparentemente, fazia sim muito sentido: com as pessoas isoladas e impossibilitadas de ter relações presenciais, a empreendedora descobriu que a quarentena ajudaria o consumo de vibradores a aumentar vertiginosamente.

“Desde o começo, tínhamos esse modelo de marca digital e verticalizada, com a mensagem de buscar uma nova relação com a intimidade, de querer incentivar a liberdade para sentir prazer. E isso nunca fez tanto sentido como agora.”

ELA JÁ PENSA EM AMPLIAR O PORTFÓLIO (INCLUSIVE COM PRODUTOS ANALÓGICOS)

Em  um mês de operação, a Lilit já vendeu 220 unidades do seu primeiro produto, segundo Marilia. A expectativa é fechar o ano faturando 440 mil reais.

A boa aceitação do bullet Lilit incentiva a empreendedora planejar os próximos produtos da empresa, previstos para o começo de 2021.

Entre esses novos produtos (em fase de estudo e desenvolvimento) haveria outro modelo de vibrador e uma vela de massagem sem qualquer recurso tecnológico — mas com um pitch afinado para constar no catálogo.

“Não acredito que o futuro da nossa intimidade vai ser se relacionar só por meio de aplicativos ou robôs. Por isso, a Lilit aposta muito na combinação de ferramentas tecnológicas e analógicas”

Daí o desejo de incluir no portfólio produtos como uma vela de massagem, 100% analógica. Para a empreendedora, acessórios como esse ajudam a criar um clima e a estimular a exploração do prazer para além do órgão sexual.

“Hoje, a gente consome muito creme, hidratante, mas as pessoas ainda não ressignificaram a pele como um órgão de prazer cheio de zonas erógenas”, diz. “É muito doido como a gente muitas vezes ainda não se toca com as mãos por inteiro — ou, quando se toca, é muito localizado no órgão sexual.”

A EMPREENDEDORA PRECISOU ENCARAR PRECONCEITOS (INCLUSIVE O SEU PRÓPRIO)

Entrar em um mercado que mexe com um tema tabu não é simples. A começar pela aceitação dos outros, inclusive entre aquelas pessoas mais próximas

Ou, talvez, principalmente entre essas pessoas mais próximas.

“Sou a primeira mulher da minha família a conseguir estudar, a fazer pós-graduação e intercâmbio. Então, quando larguei o emprego para abrir uma marca de vibrador, meu pai falou que não era isso que ele tinha imaginado para mim… Mas acho que é compreensível. Eu mesma precisei viver um processo interno para quebrar meus próprios preconceitos”

Depois da demissão, quando contava a colegas e amigos sobre seu próximo passo profissional, Marilia percebeu que muitas pessoas ficavam em silêncio, ou desconversam. A pergunta mais comum que a empreendedora ouviu nesse período (mesmo de mulheres) foi: “Mas o que que seus pais e seu namorado acham disso?”.

Teve até quem achou que o “problema” era sexual: “Recebi convite para tomar vinho e entender por que eu não estava sentindo prazer a ponto de ter que abrir uma empresa para isso…”

A empreendedora conta que, cada vez mais, está conseguindo “criar uma casca” para lidar com esses preconceitos — e também com casos de assédio.

COMO FORTALECER O NICHO DAS SEXTECHS E QUEBRAR TABUS SOBRE SEXUALIDADE

Essa barreira de aceitação não se limita ao círculo pessoal: segundo Marilia, engloba também a mídia, investidores e o ecossistema empreendedor em geral.

Por conta disso, ela reforça a importância do conceito de sextechs, startups que usam a tecnologia (de aplicativos a robôs, passando, claro, por vibradores) para melhorar a experiência sexual.

“Esse movimento veio muito da parte de fundadoras mulheres que buscavam dar visibilidade para essa nova onda da indústria erótica tecnológica, com design de experiência e digital, criando assim uma comunidade.”

Segundo a empreendedora, usar o termo sextech ajuda a abrir caminho para marcar reuniões com fundos de investimento, fazer barulho na imprensa e pressionar por melhorias na política de publicidade das redes sociais (que não aceitam postagens patrocinadas de vibradores…).

“É um movimento que pode ser tão interessante como o das fintechs e outros ‘clubes do bolinha’ que a gente conhece no Brasil. Estamos conquistando espaço na mídia porque os próprios veículos estão mais diversos — e há editoras e repórteres mulheres puxando essa pauta”

Mesmo furando barreiras, a empreendedora ainda vê desafios pelo caminho. O maior, segundo ela, é trazer essa referência do erótico (com dados, pesquisa e conteúdo) de uma forma natural, alavancando o debate sobre prazer e auto estimulação de uma maneira não necessariamente “sensualizada”.

“As pessoas precisam entender que a sexualidade vai muito além de tudo isso. É parte de uma jornada de autoconhecimento e cuidado.”

 

Leia o artigo completo clicando aqui.
Escrito por Dani Rosolen.
Matéria publicada no Projeto Draft em Outubro de 2020.

Nossos Favoritos

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Entrega super rápida, embalagem cuidadosamente produzida, um cheirinho delicioso e um produto surpreende, já tive outros vibradores, mas nenhum com esse cuidado no acabamento, uma textura delicada, simplesmente PERFEITO! Já sou fã de carteirinha, até comprei um para minha melhor amiga.

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