Lilit Indica #01 | As bases de uma sexualidade positiva
Para falar de sexualidade, precisamos ter referências e estudos. Para criar a Lilit, Marília Ponte e o Time Lilit mergulharam fundo em uma jornada de autoconhecimento e reconquista do poder sexual. Nós não fazemos apenas vibradores: queremos trazer o erótico para sala, queremos entender como a mulher pode retomar o lugar de poder e conforto com sua sensualidade e identidade.
E para conseguir esse conhecimento, é necessário nos imergir de referências literárias, audiovisuais e artísticas. No #1 Lilit Indica, mostramos algumas das bases que construímos para entender melhor a sexualidade: seja com Sex Education - uma série de comédia da Netflix, com o pioneirismo científico de Masters of Sex, com os quadrinhos sarcásticos de Liv Strömquist ou a base filosófica e acadêmica de Audre Lorde. Construir um repertório variado é a melhor forma de obter liberdade e autonomia intelectual e sexual.
Vamos juntas?
Masters of Sex (Série)
A série da Showtime "Masters of Sex" é muito mais que a história verídica de um dos primeiros estudos acadêmicos sobre a sexualidade. É uma aula sobre quebrar barreiras, avançar a ciência e quebrar paradigmas sobre os orgasmos e a anatomia feminina.
Na primeira temporada, em 1956, conhecemos Dr William Masters (Michael Sheen), um obstetra e ginecologista da Universidade de Washington - um personagem homônimo inspirado em um médico da vida real. "Mas por quê? Por que uma mulher iria mentir sobre algo como orgasmos?" - Esses são alguns dos seus questionamentos que o levaram a criar uma pesquisa que revolucionou os estudos acadêmicos sobre sexualidade.
Junto com sua assistente Virginia Johnson (Lizzy Caplan), uma ex cantora de boate com uma sensibilidade ímpar, eles começaram um estudo que arriscou a carreira, o casamento e a reputação dos dois - estamos nos nos anos 50, quando ninguém falava sobre sexo abertamente. A dupla faz uma extensa pesquisa com pacientes, prostitutas e até com a mulher do reitor da universidade, estimulando a cópula de casais enquanto eles estivessem ligados a medidores científicos.
"O estudo do sexo é entender o começo de toda a vida. Nós parecemos pudicos homens da caverna no escuro, cheios de vergonha e culpa"
- Bill Masters
Com quatro temporadas, Masters of Sex é uma boa introdução no estudo da sexualidade e um compreendimento histórico e antropológico da dificuldade de trazer o sexo como um dos estudos mais fundamentais que a humanidade deve correr atrás.
Sex Education (Netflix)
Com estética retrô e um humor que nos faz lembrar os filmes dos anos 80 de comédia adolescente, Sex Education é uma produção britânica que pode enganar ser apenas mais uma série da Netflix engraçadinha. Mas é muito mais que isso. Otis (Asa Butterfield) é um adolescente com fobia de masturbação que mora com sua mãe (Gillian Anderson), uma terapeuta sexual renomada com uma casa repleta de objetos fálicos e uma vida desconstruída e livre sexualmente.
Otis é apaixonado por Maeve (Emma Maeve), uma colega de classe brilhante e rebelde que vende respostas de provas para bancar seus custos do trailer no qual mora sozinha. Ela vê em Otis a experiência de crescer com uma mãe terapeuta sexual como uma oportunidade de negócios. E assim, ele se torna o consultor sexual não oficial da escola Moordale High.
Como Eric, o melhor amigo de Otis fala: “Todo mundo na escola ou está pensando em transar, ou vai transar ou já está transando”. Ao decorrer das duas temporadas, nós vemos todos tipos de problema e fetiches mal resolvidos: desenhos obsessivos de pênis, transfobia, vício em pornografia, tesão em tentáculos intergaláticos e até problemas com viagra.
Talvez o melhor ensinamento de Sex Education é a empatia e o não julgamento de Otis ao lidar com seus clientes. Ele entende que cada problema e questão sexual dos colegas são únicos e passar pela adolescência já é complicado o suficiente. Embora nessa fase tudo pareça péssimo e a sexualidade possa ser confusa, Otis mostra que (quase) tudo tem solução.
A Origem do Mundo (Liv Strömquist)
Em formato de quadrinho, o livro da sueca Liv Strömquist conta a história patriarcal da humanidade com a vulva e as tentativas de domar, castrar e padronizar o sexo feminino e pessoas com clitóris.
Com humor afiado e em ordem cronológica, Liv conta como a vulva foi descoberta e discutida exclusivamente por homens da ciência e filosofia, como Sigmund Freud e Jean Paul Sartre, que faziam questão de diminuir o complexo do clitóris e a vulva como uma tentativa de controlar e culpar o prazer feminino.O prazer é culpabilizado até em nossas histórias mais antigas: a Bíblia já narrava que comer o fruto proibido, oferecido pela serpente (que claro, era na verdade Lilith, deusa e mulher disfarçada) expulsaria o homem do paraíso.
A Origem do mundo é um manifesto da repressão do sistema reprodutivo feminino e tentativa de trazer de volta temas importantes e venerados em nossa antiguidade: nosso clitóris, a menstruação, a água da excitação feminina, o parto. Os ciclos sagrados da mulher.
Usos do erótico como poder (Audre Lorde)
A escritora negra Audre Lorde mudou a história da sexualidade feminina e do feminismo. Ela sempre se apresentava como “black, lesbian, mother, warrior, poet” e revolucionou quando escreveu em 1987 o ensaio “Usos do erótico como poder”. Lorde trouxe para sala um assunto tão renegado e oprimido pela pornografia massificada: o erótico.
O erótico é uma forma de poder que está ligada a um plano feminino e sagrado. É uma fonte de poder e informação para mulheres. Reconhecer e usar esse poder é entender o poder do feminino para mudar uma sociedade machista, racista e patriarcal.
“Há muitos tipos de poder: os que são utilizáveis e os que não são, os reconhecidos e os desconhecidos. O erótico é um recurso que mora no interior de nós mesmas, assentado em um plano profundamente feminino e espiritual, e firmemente enraizado no poder de nossos sentimentos não pronunciados e ainda por reconhecer. Para se perpetuar, toda opressão deve corromper ou distorcer as fontes de poder inerentes à cultura das pessoas oprimidas, fontes das quais pode surgir a energia da mudança. No caso das mulheres, isso se traduziu na supressão do erótico como fonte de poder e informação em nossas vidas.”
Somos criadas oprimindo o nosso poder erótico, escutando discursos repressivos e punidores. “Não se toque”, “Você deve fazer assim para conhecer um homem”, “Mulheres não devem gostar disso” são alguns dos discursos que crescemos escutando, internalizado e reprimindo nossa natureza erótica.
Ler “Usos do Erótico como Poder” é mais do que ler um ensaio. É retomar e entender o poder da natureza feminina e do erótico como instrumento de empoderamento, trazendo o erótico para sala: um lugar livre onde você pode assumir sua identidade de mulher e de prazer.