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O impacto de "O Calibã e a Bruxa"

Velha. Má. Vilã. Maldosa. Quantos desses sinônimos para “bruxa” você já escutou na sua infância? As bruxas estão no imaginário coletivo como algo cruel. Segundo o Gramatica.net, a etimologia da palavra “brux” é incerta, mas acredita-se venha do italiano brucia (queima), que vem do verbo bruciare (queimar). 

Malévola. Bruxa da Branca de Neve. Bruxa do 71. Bruxa do Joãozinho e Maria. Personagens que nos acompanharam por toda a infância e nos fizeram acreditar que ser bruxa era perseguir crianças, fazer maldades e feitiços contra os inimigos. 

A realidade não poderia ser mais diferente. Uma mulher independente, que pratica magia natural, é cozinheira e curandeira. Uma mulher que tem seu espaço para plantar, colher e ter sua autonomia financeira e física. Livre para curar. Livre para poder viver sua sexualidade. Como é que essa mulher plena e livre foi tão vilanizada e transformada em um mito tão maligno e cruel? 

A BRUXA DO FEUDALISMO

A autora Silvia Federici, em sua tese de doutorado e livro “O Calibã e a Bruxa”, traz um novo conceito histórico para as origens da bruxa. Federici defende que o mito da bruxa nasce junto com a origem do capitalismo. 

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“O capitalismo precisou destruir um mundo de sujeitos femininos: a herege, a curandeira, a esposa desobediente, a mulher que ousa viver só, a mulher que envenenava a comida do senhor e incitava os escravos a se rebelarem.”

Silvia Federeci, O Calibã e a Bruxa 

As ditas bruxas eram mulheres que trabalhavam nos campos, nas lavouras e nas cozinhas. No esquema feudal, elas eram permitidas em ter seu próprio espaço para plantar, colher e viver em troca de trabalho. Podiam ser independentes - na medida do possível do feudalismo - e eram as grandes curandeiras de vilas inteiras. 

Mas como Federici aponta, não dá para se enganar com essa falsa sensação de independência: mesmo com seu próprio espaço, essas mulheres sempre estiveram em posições subservientes ao mestre da casa, o rei do castelo: o homem.  

A CHEGADA DO CAPITALISMO

A transição do feudalismo para o capitalismo se mistura ao nascimento do capitalismo e as missões da Igreja Católica. Na crítica tradicional de Marx em “O Capital”, a acumulação primitiva é um processo violento de expropriação da produção familiar, artesanal, camponesa, corporativa, etc., que separou o produtor direto dos seus meios de produção e formou enormes massas de indigentes e desocupados: o proletariado. 

Como Federici afirma, Marx esqueceu de um ponto fundamental da equação: as mulheres, dentro do processo de acumulação primitiva, foram o elo mais fraco, juntos com negros, pessoas LGBTQIA+ e pessoas com deficiência. No capitalismo, a mulher perde aquele bem que tinha no regime feudal: ela não pode colher e plantar da própria terra, não pode curar, não pode ter sua própria autonomia. A sua função era de reproduzir, ficar em casa e cuidar do lar - viver em serviço ao seu marido e a criar seus filhos - novos trabalhadores e nova mão de obra. Essa tensão social foi o fogo que faltava, literalmente, para a lareira acender. 

A CAÇA ÀS BRUXAS

Perdendo seus lares e sem dinheiro para se sustentar, as mulheres autônomas começaram a ser párias da sociedade, hereges. E quando tentavam lutar pelos seus direitos para ter posições de poder, eram consideradas demoníacas, monstruosas e contra tudo que a Igreja católica pregava. 

Era lucro para a burguesia que a Igreja perseguisse essas mulheres e calasse essas vozes. Era preciso que o corpo da mulher fosse visto como algo profano, que uma mulher assalariada fosse vista como promíscua, que uma mulher que sentisse prazer e gozasse virasse uma meretriz. E se ajudasse outra mulher abortar, era o pior tipo de bruxa: a que impedia o nascimento de novas mãos de obra para serem exploradas. 

A Peste Negra permeava em toda a europa, e mulheres que tinham autonomia sob seus corpos e escolheram ter filhos eram consideradas esposas do Diabo - evocar a mitologia cristã era (e é) a forma mais fácil de controlar o proletariado. Se você não obedecesse ao padrão de procriadora, seria queimada na fogueira da Inquisição. 

Como acontece no Brasil, em pleno 2021, em momentos de crise, a população aceita qualquer narrativa anticiência, ilógica e que sirva de desculpa para relevar uma catástrofe. Na época, matar e torturar mulheres era permitido, sim, em nome do medo, superstições e crendices religiosas. 

NETAS DAS BRUXAS

Não se engane: a caça das bruxas ainda não acabou. Tivemos quatro revoluções feministas, cada uma permitindo uma liberdade e avanço: o anticoncepcional, o prazer, o poder de voto, e na última - nos anos 2010 - o começo do movimento para o salário igualitário. 

Mas continuamos sendo chamadas de putas. Continuamos sendo punidas por querer viver nossa sexualidade de forma plena, por querer comprar vibradores, por querer transar com quem quisermos. Continuamos sendo mal pagas e excluídas da dinâmica do mercado de trabalho. 

Somos netas das bruxas, e mesmo depois de mais de 2000 anos da Inquisição, ainda vivemos controladas por um sistema patriarcal. Ainda somos consideradas ferramentas reprodutoras do estado. 

A IMPORTÂNCIA DO SALÁRIO DOMÉSTICO

O que eles chamam de amor, nós chamamos de trabalho. As conquistas de trabalhar fora de casa vieram com um grande ônus: trabalhamos em jornadas duplas. Casa, comida, roupa, limpeza, educação dos filhos, cuidados com os filhos, reuniões de trabalho, apresentações e relatórios. Hoje, vivemos em uma jornada dupla que leva mais de 40% das mulheres a apresentarem sintomas de burnout. 

Para consertar o problema da exploração do capitalismo e das mulheres, Federici sugere que tenhamos um salário doméstico pago pelo estado. É nada mais do que o justo. 

“Quando você emprega outra mulher imediatamente há uma relação de poder. A patroa fala “estou atrasada, pode ficar mais meia hora?” ou “é minha filha, pode ficar um pouco mais?”, e sempre tem uma chantagem emocional quando se trabalha para outra mulher, sobretudo quando estão lidando com mulheres muito pobres. A solução é um movimento de mulheres que conecte as que trabalham em casa por dinheiro ou as que o fazem sem dinheiro, para mostrar como o trabalho reprodutivo é trapaceado nesta sociedade.”                                                                        Silvia Federeci, em entrevista para Geledes

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