Em que momento a pornografia virou nossa educação sexual?
Outro dia, recebi um e-mail de uma estudante de 21 anos sobre sexo - ou talvez mais corretamente, o quanto ela estava mal preparada para falar sobre sexo. A falta de educação sexual em seu currículo escolar só a ensinou o que não se deve fazer, e ela me disse que apesar de seus pais serem liberais e estarem dispostos a responder qualquer pergunta, era claro que o tópico fazia eles ficarem mais desconfortáveis que ela.
Então ela começou a aprender o que era sexo com a pornografia. “Existem muitos problemas com a pornografia”, ela escreveu. “Mas é legal usar o que você vê para obter algum conhecimento sobre sexo”.
Eu gostaria de ter-lhe dito que seus sentimentos não era comuns, mas eu escutei tudo isso repetidamente durante três anos que entrevistei jovens mulheres entre o ensino médio e faculdade para um livro sobre meninas e sexo.
Segundo uma pesquisa de universitárias na Inglaterra, 60% consultam pornografia, pelo menos em parte, como um manual de instruções, e quase ¾ disseram que é tão realista quanto uma partida de luta livre. As representações da mulher, entretanto, são tão precisas quanto as mulheres da franquia “The Real Housewifes”.
As estatísticas de violência sexual podem ter forçado uma diálogo nacional sobre consentimento, mas conversas honestas entre adultos e adolescentes sobre o que acontece depois do “sim” - discussões sobre ética, respeito, decisões, sensualidade, reciprocidade, construção de um relacionamento e a habilidade de ser assertivo quanto os seus desejos e barreiras continuam raros. E enquanto falamos para as crianças que os dois lados devem concordar para participar de um encontro sexual, nós temos tendência a evitar o principal tabu: a capacidade e direito da mulher ao prazer sexual.
Isso começa, querendo ou não, com os pais. Quando minha filha era um bebê, eu lembro de ler em algum lugar que ao dar nomes às partes do corpo (“onde está seu nariz?” “onde está seu dedão?”), os pais geralmente excluem as partes genitais do menino mas não da menina. Deixa algo sem nome, é claro, torna essa parte quase literalmente inominável.
Isso não muda muito enquanto as meninas ficam mais velhas. O Presidente Obama tentou em 2017 remover todo o investimento federal para a educação de abstinência sexual. (pesquisas mostraram que mais de dois bilhões de dólares foram gastos - poderiam ter sido queimados, não iria fazer diferença). E de acordo com o CDC - Centro de Controle de Doenças e Prevenção, menos da metade das do ensino médio e somente um quinto do ensino fundamental ensina todos os 16 tópicos que a agência recomenda que é essencial para educação sexual. Somente 23 estados tornam a educação sexual obrigatória, e 13 demandam que as informações sejam medicamente precisas.
Até as aulas mais detalhadas geralmente falam sobre as partes internas da mulher: o útero, as trompas de falópio e os ovários. Aqueles clássicos diagramas do sistema reprodutivo de uma mulher, nos quais não aparece a parte externa da vulva, da vagina e muito menos do clitóris. Enquanto isso, nos diagramas sobre puberdade masculina, aparecem pênis eretos, ejaculações e um estado excitatório interminável, enquanto mulheres são reduzidas a menstruação e a possibilidade de uma gravidez indesejada.
Quando vamos explicar as nuances milagrosas da anatomia? Quando vamos falar sobre exploração, autoconhecimento?
Não é de se espantar que de acordo com a maior pesquisa de comportamento sexual americana conduzida em décadas, publicada em 2010 pelo The Journal of Sexual Medicine, pesquisadores na Universidade de Indiana descobriram que cerca de um terço das meninas entre 14 e 17 anos relataram se masturbar regularmente e menos da metade tinha se masturbado uma vez na vida. Quando eu perguntava sobre o assunto, as meninas me falavam: “eu tenho um namorado que faz isso pra mim” embora, além delas delegarem o próprio prazer, poucas tinham chegado ao clímax com um parceiro.
Entretanto, meninos relataram o motivo de se masturbarem como a falta de sexo oral em um relacionamento heterossexual, que geralmente não é recíproco. Como um dos universitários me informou: “Meninos sempre vão falar: ‘uma punheta é o trabalho de um homem, um boquete é um trabalho da mulher’”. Todas outras meninas que estavam na sala concordaram com a cabeça.
Frustrada com essas estórias, eu perguntei a uma estudante do ensino médio o que ela sentiria se os meninos esperassem que as meninas fossem, por exemplo, pegar um copo da água na cozinha toda vez que eles estivessem juntos mas nunca se oferecessem para fazer o mesmo. Ela achou engraçado: “Bom, você colocando assim, eu concordo”.
A ascensão do sexo oral, assim como o crescimento de agir cada vez com menos intimidade, foram algumas das maiores transformações no estudo sobre comportamento sexual americano no século 20. No século 21, a maior mudança foi o aumento do sexo anal. Em 1992, 16% das mulheres com idade entre 18 e 24 disseram que tinham tentado fazer sexo anal. Hoje, segundo a Universidade de Indiana, 20% das mulheres entre 18 e 19 já tentaram, e entre as idades de 20 e 24 anos, esse número sobe para 40%.
Em um estudo de 2014 sobre heterossexuais entre 16 e 18 anos, publicado em uma revista médica britânica, descobriram que era predominantemente homens que forçavam a barra para fazer sexo anal, cada vez menos como uma forma de intimidade e troca com um parceiro e cada vez mais como uma forma de competição entre garotos. Eles esperam que garotas tenham que passar pelo ato, no qual jovens mulheres relataram consistentemente como era doloroso. Os dois sexos culparam as garotas pelo desconforto, as chamando de “ingênuas ou defeituosas” e sem capacidade de “relaxar”.
De acordo com Debby Herbenick, diretora do Centro para Promoção da Saúde Sexual na Universidade de Indiana e uma das pesquisadoras do questionário de comportamento sexual, quando sexo anal é incluído, 70% das mulheres relatam dor no ato. Mesmo quando não estamos falando de sexo anal, um terço das mulheres relata algum tipo de dor, em comparação a 5% dos homens. E tem mais: de acordo com Sara McClelland, uma psicóloga na Universidade de Michigan, mulheres universitárias são mais prováveis que os homens de usar o prazer físico do parceiro como medidor da relação, falando coisas como “Se ele está sexualmente satisfeito, então eu estou sexualmente satisfeita.” Homens têm mais tendência a medir a sua satisfação pelo seu próprio orgasmo.
A professora McClelland escreve sobre sexualidade como uma forma de de “justiça da intimidade”. Ela toca em pontos fundamentais, como a equidade de gênero, a disparidade econômica, violência, integridade física, saúde mental e física, auto eficácia e dinâmicas de poder em nossas relações mais íntimas, seja elas durando duas horas ou vinte anos. Ela nos pedem para considerar: Quem tem direito a transar? Quem tem direito a curtir o ato sexual? Qual o principal benefício da experiência? Quem se sente merecedor? Como um parceiro define que foi “bom o suficiente”? Essas são perguntas espinhosas que quando olhamos para sexualidade feminina, entre qualquer idade, mas particularmente considerando as experiências formativas de garotas.
Nós estamos aprendendo a apoiar as meninas à medida que elas se empoderam educacionalmente e profissionalmente, mas neste nível pessoal, nós escorregamos.
E se nós fizéssemos de outro jeito? E se nós falássemos mais com nossas crianças sobre sexo, e se conseguíssemos quebrar o tabu, integrar ao nosso cotidiano e mudar a nossa percepção do papel da mulher na sociedade? Verdade seja dita: o quanto mais francos são os nossos professores, os pais e médicos ao falar sobre sexualidade com as pessoas, mais crianças vão adiar a atividade sexual e aderir a um comportamento responsável e ético em relação a sexualidade.
Em um estudo de 2010, publicado no The International Journal of Sexual Health, foram comparadas as experiências de mais de 300 mulheres americanas e holandesas escolhidas de forma aleatória, em duas universidades semelhantes. O perfil também era parecido: maioria branca, classe média, com os mesmos antecedentes religiosos. No resultado, as americanas ficaram sexualmente ativas em uma idade mais nova que as holandesas, tiveram mais encontros sexuais com parceiros variados, e eram menos propensas a usar métodos contraceptivos. As americanas também foram as que mais falaram que tiveram o primeiro encontro sexual por pressão de amigos e parceiros.
Nas seguintes entrevistas com algumas das participantes, as americanas descreveram relações que foram “regidas pelos hormônios”, nas quais o homens determinavam os relacionamentos, os dois sexos priorizavam o prazer masculino, e a reciprocidade era rara. E as holandesas? Quando elas começavam em uma idade nova a atividade sexual, elas priorizavam o carinho, relações respeitosas nas quais elas se comunicavam abertamente com com seus parceiros (que elas já conheciam e confiavam) sobre o que as fazia sentir bem e o que não fazia, os limites da relação e que tipo de proteção eles usariam durante o sexo. As holandesas também relataram mais conforto em relação aos seus corpos e desejos do que as americanas, além de estarem mais em contato com o próprio prazer.
E qual o segredo delas? As holandesas disseram que os professores e médicos falavam mais abertamente com elas sobre sexo, prazer e a importância de uma confiança mútua - e até sobre amor. Além disso, os pais holandeses falavam abertamente sobre sexo em casa.
Embora a pesquisa não revelasse a diferença significativa sobre o quão confortáveis estavam os pais ao falar sobre sexo, as pesquisas seguintes mostraram que as mães americanas, ao falar sobre sexualidade, focaram muito em perigos e riscos sexuais, enquanto os pais - se falassem alguma coisa - se limitavam a fazer piadas ruins.
Em contraste, os pais holandeses falavam com suas filhas desde muito pequenas sobre felicidade e responsabilidade. Como resultado, uma mulher holandesa disse que ela falou imediatamente com sua mãe depois que ela teve seu primeiro encontro sexual, e que a amiga da mãe perguntou para ela como tinha sido, se ela tinha tido um orgasmo e o que ele tinha feito para ela chegar lá.
Enquanto isso, de acordo com Amy T. Schalet, professora de sociologia na Universidade de Massachusetts e autora do livro “Not Under My Roof: Parents, Teens, and the Culture of Sex”, homens holandeses aprenderam que devem associar o sexo com amor. Nas entrevistas, eles disseram que foram os pais que ensinaram que o sexo deveria ser igualitário: as mulheres tinham que ter tanto prazer quanto os homens. Embora ela tenha descoberto que tanto mulheres holandesas e americanas estavam buscando amor e romance, só as mulheres americanas consideram isso como uma característica peculiar pessoal.
Eu pensei sobre tudo isso quando estava recentemente dirigindo de volta para casa com minha filha, que está no ensino infantil, e passamos por um outdoor com letras gigantes em um neon laranja escrito: “O pornô mata o amor”. Eu perguntei pra ela se ela sabia o que era pornografia. Ela revirou os olhos e disse em um tom frustrado - que pais de adolescentes conhecem tão bem - “Sim, mãe, mas eu nunca vi”.
Eu poderia ter deixado esse assunto passar, me sentindo aliviada que ela ainda vai dar seu primeiro beijo sem ter tido contato com imagens pornográficas.
Teria sido bem mais fácil. Ao invés disso, eu respirei fundo, e comecei a conversa: “Eu sei, querida, mas tem algumas coisas que você precisa saber”.
Escrito por Peggy Orenstein. Tradução livre de artigo originalmente postado no New York Times. Leia o artigo original.