O tabu virou negócio: conheça o promissor mercado das sextechs
Com a chegada massiva do público feminino às startups de bem-estar sexual, as sextechs formam hoje um dos mercados mais promissores do mundo. Reunimos aqui especialistas do segmento para decifrar os caminhos desse fenômeno financeiro que prevê bater os US$ 108 bilhões até 2027 e seguir inspirando novas iniciativas
A conexão da mulher com seu corpo e sua sexualidade é um processo tão poderoso que, quando ganhou forma e solidez, fez o mercado financeiro explodir. Categorizado como autocuidado, o bem-estar sexual abriu um enorme leque de possibilidades de negócios e aparece como um dos segmentos mais promissores da economia nos próximos dez anos. As empresas que fazem parte desse setor ganharam até nome geek: sextechs. Ao lado das fintechs, regtechs, healthtechs e lawtechs, a categoria chega para cumprir o princípio básico de uma startup – um negócio com conceito digital e um padrão escalável que usa a tecnologia para resolver problemas específicos. “No caso das sextechs, pode ser uma empresa, um produto, serviço ou plataforma que, de alguma maneira, traga uma solução para melhorar a experiência com a sexualidade”, esclarece Lídia Cabral, especialista em inovação digital e idealizadora do Tech4Sex, plataforma para compartilhar tecnologias e fomentar o ecossistema de inovação em sextech no Brasil.
O mercado, que em 2019 movimentava US$ 74 bilhões no mundo todo, prevê chegar aos US$ 108 bilhões em 2027. Obtidos em uma pesquisa de julho de 2020 da Allied Market Research, empresa de consultoria e pesquisa de mercado, os dados levam em consideração a comercialização de produtos – leia-se aqui brinquedos eróticos, camisinhas masculinas, contraceptivos femininos, lubrificantes, sprays e mais –, a ampliação dos canais de distribuição, que transcenderam o ambiente online e as lojas especializadas e chegaram a farmácias e supermercados em muitos lugares no mundo e, sobretudo, a mudança de perfil do consumidor final, com reforço significativo da presença feminina. Todos esses fatores ganharam ainda mais pulso com as mudanças de hábitos sexuais decorrentes do isolamento social.
“O vibrador hoje funciona como reparação histórica, por isso tanto sucesso. A mulher foi privada do prazer a vida toda, com o patriarcado dizendo que elas não devem se tocar”, aponta a designer Izabela Starling, uma das fundadoras da Pantynova. Para ela, esse processo de bem-estar sexual tem a ver com a autonomia do orgasmo. “É muito libertador entender que o seu prazer não está no outro. As pessoas já estavam se preparando para esse momento, só faltavam iniciativas”, completa. Criada em 2018 com a produção de strap-ons (cintas penianas) e dildos (peças fálicas sem vibração), sua empresa é uma amostra importante do potencial do mercado brasileiro. A marca vendeu toda a coleção de lançamento nos dois primeiros meses, recuperou o investimento total no primeiro mês e, de março de 2020 a março de 2021, cresceu 400% o tíquete médio e estendeu a faixa etária dos consumidores. Hoje, também produzem os próprios vibradores – são nove modelos e mais seis que chegam ao mercado em setembro – , além de três lubrificantes.
Prazer em pauta
Dá para botar tudo isso na conta da carência do consumidor? Sim, mas não só. A estratégia da marca, de compartilhar informações sobre sexualidade de um jeito leve e bemhumorado, junto à missão de normalizar o discurso aberto sobre questões sexuais, ajudou bastante nessa progressão. “A gente acredita que a educação sexual precisa acontecer em casa, é uma conversa de família. Martelamos muito nessa tecla, e a maior prova de que estamos sendo ouvidas é o pico de vendas que tivemos no Dia das Mães”, observa a artista plástica Heloísa Etelvina, também sócia da Pantynova.
É nessa abertura na conversa que a apresentadora e produtora de conteúdo Cecília Boechat aposta com suas publicações nas redes sociais. Em seu perfil, ela fala sobre moda, viagens, drinques, skincare, cabelos crespos, gastronomia e... sexo. “Acho importante ajudar a quebrar os tabus da sexualidade. Sempre que posso, converso, escrevo, posto sobre sexo. O diálogo é essencial para que a gente consiga engajar mais gente nesse universo, de uma maneira cada vez mais natural”, pontua. E ela garante que o tema tem ganhado cada vez mais espaço. “Quando mostrei um vibrador pela primeira vez (aqui em casa eu tenho uns oito!), muita gente pediu review. Queria saber as sensações, detalhes da minha experiência. Teve até homem hétero pedindo ajuda para comprar vibrador para a noiva”, revela.
O crescimento de maneira sólida e gradual do segmento deve-se exatamente à necessidade da informação. A grande maioria das sextechs que vendem produtos eróticos agrega conteúdo, alimenta comunidades e abre espaços para discussão. Além de fidelizar os clientes, a estratégia educa, paralelamente, um futuro consumidor. Exemplo disso é a Lilit. Lançada em agosto de 2020, a startup desenvolveu um modelo de negócio com um único produto inicial – um vibrador bullet potente, discreto e à prova d’água. Mas as pesquisas e os grupos focais criados durante o desenvolvimento (incluindo aulas de masturbação com os produtos piloto) apontavam para outro caminho. “Tivemos acesso a pesquisas com uma alta porcentagem de mulheres que já tinham experimentado um vibrador. Mas a maioria não estava satisfeita com o produto em si, e muito menos com a experiência, e a gente percebeu que precisaria colocar mais conteúdo informativo no nosso universo”, conta a publicitária Marília Ponte, fundadora da Lilit, que também utilizou uma parcela de suas experiências pessoais negativas no desenvolvimento do seu negócio.
“Sabe quando eu percebi que já existe naturalidade na conversa sobre sexualidade fora da nossa bolha? Quando eu vi a [apresentadora de televisão] Angélica defendendo abertamente o uso do vibrador”, empolga-se Heloísa, da Pantynova, fazendo referência à entrevista para o canal do YouTube de Sabrina Sato, em agosto do ano passado. Camila Coutinho, influenciadora com mais de 2,7 milhões de seguidores no Instagram e fundadora do Garotas Estúpidas e do GE Beauty, compartilha dessa sensação. Em pouco mais de um ano e meio, ela viu duas reações diferentes ao postar imagens de vibradores. “A primeira vez foi um pouco antes da pandemia, durante a Semana de Moda de Paris. Eu e a maquiadora Nathalie Billio fomos a uma sex shop e postei vários modelos. A resposta foi um constrangimento geral, as meninas dizendo que eu era doida, que não era legal publicar isso. Agora, há pouco tempo, postei um vibrador que chegou aqui em casa e a reação foi mais tranquila, alguns comentários engraçados, com mais naturalidade”, conta.
Restrições nas redes
Quando percebeu a movimentação desse mercado, Camila entendeu a importância comercial do momento. Tanto que no último Dia dos Namorados fez uma collab com a Pantynova. Na compra de seus produtos para cabelos, as seguidoras ganhavam um lubrificante. Do outro lado, quem comprasse um vibrador da sextech levava de brinde um booster capilar da influenciadora. Foi um sucesso, tanto de vendas quanto de conceito. A empresária faz questão de lembrar que a libertação feminina e o empoderamento passam por essa possibilidade de conversa, de troca. “A gente precisa tirar o véu da história. Quem tem diálogo aberto com o público também tem essa missão. Bem-estar sexual não tem a ver apenas com produtos. A própria conversa sobre sexo é uma maneira de autocuidado também”, avalia.
E é assim, com o combo tabu + demanda reprimida + necessidade de diálogo, que as sextechs estão performando lindamente no Brasil. Ainda que com uma grande dificuldade em comum: o tratamento que recebem das principais redes sociais, com excesso de restrições. Durante a apuração para esta reportagem, todas as entrevistadas se referiram à dificuldade de impulsionar conteúdo patrocinado, usar determinadas palavras e criar lojas virtuais que estejam relacionadas com produtos de bem-estar sexual. “Entendo a delicadeza do tema, mas redes como Facebook e Instagram não estão sabendo separar o joio do trigo. E eles teriam como fazer isso de maneira bem simples: legitimando e verificando perfis que tratam do assunto com viés de educação, informação, que é o caso da maioria das sextechs. É uma questão mundial e se tornou uma bandeira para grande parte das empresárias”, alerta a especialista em inovação Lídia Cabral.
Segundo a assessoria de imprensa do Facebook no Brasil, “as Diretrizes de Comunidade do Facebook não permitem anúncios que promovam a compra, venda ou utilização de produtos para adultos”. Em seus termos de política de uso, a mesma do Instagram, consta que os classificados permitem apenas a promoção de produtos como lubrificantes ou preservativos que não se concentram no prazer sexual. Brinquedos sexuais, produtos de estímulo sexual ou sexualmente orientados para adultos, como pornografia e roupas íntimas vestidas, imagens de nudez, incluindo nudez parcial de crianças, mesmo que não sejam de natureza sexual, não são permitidos.
Marília Ponte, da Lilit, entende que a restrição dificulta um negócio que luta para ser tratado com naturalidade. Mas, de alguma forma, incentiva projetos para hackear o sistema, com plataformas próprias e liberdade para criar um novo diálogo e um novo público.
Cursos e mentorias
Prazerela: Criada por Mariana Stock, reúne diferentes atividades que podem ser mapeadas partindo de um quiz, para descobrir seu potencial orgástico e entender que momento da sua sexualidade você está vivendo.
share your sex: Nasceu como um grupo do Facebook, mas, por causa das restrições, migrou para uma plataforma própria. Funciona como um clube com assinatura e oferece conteúdo de bem-estar sexual e trocas de experiências.
Tela Preta: Plataforma de áudios eróticos. A assinatura (mensal ou anual) dá acesso a conteúdos personalizados. É possível convidar o parceiro ou parceira para participar dos exercícios e atividades.
NOVIDADES do mercado mundial
OhNUT: Indicado para quem tem vaginismo, esse dispositivo emborrachado, no formato de um donut sanfonado, funciona como um amortecedor na hora do sexo. Encaixado na base do pênis ou do vibrador, suaviza os movimentos e a fricção.
neurodildo: Controlado por ondas cerebrais, foi criado inicialmente para pessoas com deficiências, como lesões medulares. Atualmente, é usado por casais em relacionamentos a distância (um update de luxo do vibrador por wi-fi). Na experiência, um dos parceiros usa um capacete neural que capta e interpreta suas ondas cerebrais e as traduz em diferentes estímulos no vibrador, usado pelo parceiro que está longe.
Lorals Dental Damm: Calcinha de látex superfino, de alta sensibilidade, para ser usada durante o sexo oral, sem o contato direto com a língua ou o dedo. Evita doenças sexualmente transmissíveis.
MyHixel Play: Uma cápsula é encaixada no pênis e conectada a um jogo, controlado por celular, que emite estímulos para o cérebro treinar o timing da sensação de prazer, ajudando homens a lidar com a ejaculação precoce.
Pulse: Dispenser recarregável que libera o produto (óleos, cremes, loções e géis) em doses aquecidas, com a aproximação das mãos.
Escrito por PAOLA DEODORO.
Texto publicado em MARIE CLAIRE no dia 31 JUL 2021. Leia o original aqui.